domingo, dezembro 16, 2007

A nossa infância...

Recordo o dia em que fui alegremente àquela loja de brinquedos, cujo nome pode ser traduzido para português por "Brinquedos somos nós", comprar um Tamagotchi. Apesar de recordar que naquele dia fui lá alegremente, hoje não recordo esse dia com alegria.

Para quem não sabe, o Tamagotchi é o brinquedo típico da infância da geração que nasceu entre 1985 e 1990. No início o conceito parecia genial, ora ali estava um animal de estimação que não iria dar trabalho nenhum aos pais. Sim, o principal problema dos cães e gatos como animais de estimação para crianças é que as crianças ficam com o lado divertido (brincar com eles e dar-lhes carinho) e os pais com o lado aborrecido (passeá-los, limpá-los, alimentá-los...). Com o Tamagotchi tudo isso iria mudar, a única coisa que os pais tinham de fazer era desembolsar 5000$ e as crianças ficariam felizes e os pais teriam tempo livre.

Lembro-me que fiquei baralhado na primeira vez que ouvi falar neste brinquedo, nessa altura ele tinha apenas chegado ao Japão. Foi-me dito que era preciso alimentá-lo, lavá-lo e dar-lhe vacinas. Na minha mente de 9 anos imaginei-me a enfiar carcaças e vegetais para dentro de uma máquina ou a passar a dita por baixo do chuveiro. E aquilo ficou na minha cabeça por mais de um ano, até que o dito "bicho" chegou finalmente a Portugal. Nessa altura fez-se luz na minha cabeça "Ah! Eu para o alimentar só tenho de carregar nos botões!". E pronto, chegou então o dia de que falava há pouco e no qual eu fui comprar este brinquedo.

Nos primeiros dias tudo foi um mar de rosas. Ou quase... Aquela bolinha andava ali, feliz no ecrã, eu dava-lhe uns bolinhos, passava-o por água e desligava a luz para ele ir dormir, no entanto havia um problema. Para quem viveu aquela altura deve lembrar-se que para aí 30% destas máquinas eram produzidas na Indonésia. Eu tive o azar de comprar uma que tinha sido lá feita. Eu tinha apenas 10 anos, não fazia qualquer ideia do que era a política, quanto mais o "embargo" português a este país. E pronto, fui gozado até ao dia em que colei um autocolante com o meu nome por cima das palavras "Made in Indonesia". A partir desse dia, sim, fui feliz.

Passados uns 3 dias ele cresceu, tornou-se numa bola maior. Tudo parecia correr bem. Parecia, até à aula de Educação Física em que no final, quando eu me dirigi para o balneário e olhei para a máquina vi que ele tinha feito dois "cócós" e já estava lá no cantinho um símbolo de uma caveira indicando que ele estava doente. Foi aí que começaram as dúvidas. "Então eu abandono-o 50 minutos e este sacana ia-se matando? Eu tenho de estudar, não posso estar sempre a dar-lhe atenção... Ele que não pense que vai ser um Tamagotchi mimado...". E pronto, foi o fim... Ainda assim, limpei-o e dei-lhe a vacina. No dia seguinte ele voltou a evoluir e enquanto todos os outros Tamagotchi tinham, neste estado de evolução, um aspecto saudável, o meu parecia um fumador de 90 anos que havia começado a fumar 3 maços por dia desde os seus 13 anos. Era hediondo e eu comecei lentamente a tentar abandoná-lo.

Com toda esta febre deixou de nos ser permitido andar com os bonecos na hora de almoço e o meu lá ficou, abandonado debaixo do tampo da carteira. Depois de almoço, quando esperava vir dar-lhe carinho, abri o tampo da mesa e... Ele não estava lá, alguém o havia roubado. Fiquei triste, derramei uma lágrima e gritei um sonoro "NÃOOOooo...". Esse foi um dos dias mais tristes da minha vida, o mais triste foi quando descobri que o radar do aeroporto tinha um motor e não se movia apenas com a força do vento. Na noite em que perdi o Tamagotchi dormi mal, mas no dia seguinte acordei e sentia-me um homem novo. Sentia-me livre. Foi aí que percebi "Nunca mais quero ter um animal de estimação...".

P.S. - Ainda hoje tenho algumas dúvidas... Que bicho era aquele? E o que acontecia no final? Alguma vez alguém chegou ao final?